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Escrevo este texto na virada do ano de 2020. E devo admitir que o escrevo com pesar no coração, especialmente quando parei para pensar no título que daria a ele. Eu disse essa frase para mim mesmo nesse exato instante, depois de ter me desentendido com uma pessoa que amo muito. Percebo que o velho homem que ainda reside em mim vive buscando oportunidades para assumir o controle. Um deslize, um momento onde você não está dependendo de Deus. É tudo o que é preciso para que esse maldito venha à superfície.

Eu estou cansado dessas mensagens de fim de ano. Não me entenda mal, não quero dizer que não devemos desejar as coisas que desejamos uns aos outros nessa época. Mas eu tenho vontade de vomitar vendo essas mensagens porque na maioria das vezes elas continuam sendo apenas mensagens. Todo fim de ano é a mesma coisa: queremos mudança, queremos dias melhores — mas a verdade é que muitas vezes nós não queremos morrer para nós mesmos. Ano vai, ano vem, e as pessoas continuam escravas de suas naturezas. Permanecem no velho homem, como hipócritas, criminosos desejando um ano sem crimes.

Se tem uma coisa que marcou meu coração este ano é o conceito do verdadeiro arrependimento. Eu costumava achar que arrepender-se é usar o sentimento de culpa para tomar uma posição em relação ao pecado — uma posição de renúncia. Mas a verdade é que alguns pecados que estão enraizados na alma pelos longos anos de escravidão não vão embora somente com este sentimento. Thomas Brooks disse uma vez que o arrependimento “é o vômito da alma enjoada do pecado.” Muitas pessoas ainda não conseguem sair de alguns pecados porque ainda não o odeiam de todo coração. Ainda não sentem nojo dele, e isso é mais sutil do que parece. Ouso dizer que às vezes Deus parece permitir que uma pessoa se entregue ao seu pecado até que sua alma vomite, e então ela passe a ter nojo da forma como vivia, ou do velho homem que ainda reside nela.

Eu lembro que estava buscando conteúdo para falar de um personagem que me chocou este ano, no entanto me faltavam palavras. No meio desse momento desagradável, me lembrei que existiu algo em mim que eu deveria odiar tanto quanto odiei neste homem de Boku no Hero Academia: Enji Todoroki, alter ego Endeavor.


No mundo retratado na série, um evento extraordinário causou uma mutação na raça humana, fazendo com que 80% das pessoas nascessem com algum tipo de poder especial, chamado de individualidade. Isto redefiniu a ordem natural das coisas, criando no planeta um sistema de heróis e vilões, e um combate incessante entre o bem e o mal. No meio disso, um homem transcende todos os outros com uma individualidade que permanece de geração em geração, sendo cultivada, fortalecida e passada para um novo recipiente humano, num ciclo permanente. Este jovem desenvolve este poder de forma inimaginavelmente poderosa, e consegue se tornar o herói número um no sistema mundial de ranqueamento de heróis. Amado por toda a terra, ele é intitulado de “Símbolo da Paz”.

Enji Todoroki se tornou o herói número dois, e quando chegou a este posto percebeu que a distância que havia entre ele e seu rival era grande demais. Este desespero o consumiu, e aquilo que deveria ser uma corrida saudável por se tornar alguém melhor se tornou uma obcessão. Enji se torna um homem arrogante, orgulhoso e que não mede esforços para estar no topo. Ao perceber que sua habilidade especial (controle do fogo) possuía um ponto negativo que o impedia de ir tão longe quanto queria, decide vencer seu rival de uma das maneiras que considerei mais nojentas numa história: casar-se com uma mulher cujo poder seja o seu oposto, para que tenha um filho que herde as duas individualidades, alcançando o equilíbrio perfeito.


Os anos se passam, três filhos nascem, ambos aparentemente herdando apenas uma das duas individualidades. Tais filhos nunca desenvolveram tal individualidade ou chegaram a seguir uma carreira de herói, um possível sinal de desinteresse do pai. Mas então, quando o terceiro filho nasce, finalmente com as características desejadas por Enji, o declínio de sua relação com a família se inicia: Shoto Todoroki cresce como um garoto traumatizado, odiando o próprio pai que só manifesta nele o interesse de torná-lo uma máquina de combate. Com treinamento árduo e insensibilidade e muita arrogância, ele impede que o próprio filho viva sua infância normal como outros garotos de sua idade. Sua esposa se torna mentalmente desequilibrada ao perceber aquilo que seu marido havia se tornado. Mãe, pai e filho entram num ciclo de corações quebrados, ressentimento e problemas mentais durante toda a vida… Até que finalmente, Enji se torna o herói número um da forma que ele menos esperava.

O Símbolo da Paz foi gravemente ferido em um combate com seu maior inimigo, e se vê forçado a passar adiante sua individualidade — um fardo que ele dificilmente carregou por toda a vida frágil de um ser humano. O que mais me impressiona é que é nesse exato instante que Endeavor tem uma mudança de coração. Tendo estado no topo sem ter a chance de derrotar seu rival, ele perde a noção de que aquilo era uma conquista. É quase como se ele percebesse que não queria estar ali daquela forma.
Perturbado, Enji decide assitir uma “prova de recuperação” de seu filho na academia de heróis, e, sentando-se do lado do aposentado número um, percebe que a lição na qual seu filho falhara era “conquistar o coração daqueles que se salva”. No instante que os alunos o vêem com seu rival, nota-se que ficam admirados com o fato do Símbolo da Paz ter visitado o local, e olham para o número dois de forma completamente diferente. Endeavor então parece compreender que a posição pela qual ele lutava era algo maior do que ser forte: “o que significa ser um Símbolo da Paz?”

— Eu encarreguei o Shoto de tudo. Aos vinte anos, eu cheguei ao segundo lugar. Justamente por ter subido tanto, eu acabei entendendo: eu jamais poderia chegar ao cume. Se só quisesse um título, eu seria risonho e alegre como você. Mas eu queria ser mais forte que todos.
— Isso não é do seu feitio…
— Então cala a boca e me responde!
— O que significa ser um símbolo da paz? Sinceramente, não sei o que dizer. Eu acreditava que este país necessitava de um símbolo assim. Por isso corri com todas as forças. Queria ser uma luz forte, esperança e uma advertência. Corri porque jurei me tornar esse ser. Pela cidade, todo mundo tinha cara de preocupação. Por mais que tivessem super-heróis, a criminalidade não reduzia. O povo tinha mais medo que hoje. Eu ignorei a gentileza daqueles próximos a mim, abandonei muitas coisas para seguir este caminho. Endeavor, sei bem a sua situação e o que a sociedade fala a seu respeito. Muitos nos comparam. Mas você e eu somos diferentes, não precisa se tornar o mesmo símbolo que eu me tornei. Encontre seu jeito de fazer as coisas, sem pressa…


Nos dias seguintes, a história mostra que Endeavor agora estava passando por uma mudança de caráter. Ele percebe que “o topo do cume” não é algo para ser alcançado somente com força — na verdade, o topo do cume é mais do que um título, é um fardo. Enji começa a tratar seu filho com respeito e admiração, deixando que ele siga seu próprio caminho como herói, tentando confortá-lo com palavras de incentivo. Também procura reconquistar o coração de sua esposa, que agora está em uma clínica em tratamento.


O vômito na alma de Endeavor é finalmente revelado quando ele se vê em uma prova muito difícil: uma luta para proteger a cidade de um inimigo que parecia ter sido projetado para vencê-lo: um humano biologicamente modificado, com inúmeras individualidades regenerativas e de força. O calor produzido pelo herói começa a se tornar seu maior inimigo, já que a exposição prolongada às altas temperaturas enfraquecem e ferem seu próprio organismo. Endeavor possui força, mas não resistência — por isso seu filho Shoto era alvo de suas expectativas, já que possuia também a individualidade de sua mãe para resfriar o corpo e mantê-lo no topo de suas habilidades.

Depois de chegar ao seu limite numa luta épica, Enji finalmente consegue derrotar seu inimigo ao ver a si mesmo nele. Ele se lembra do motto da academia de heróis, que foi originalmente criado por seu rival, e era pronunciado sempre que ele vencia lutas aparentemente impossíveis: "vá além - plus ultra". Ao perceber que era necessário deixar de lado o velho homem e buscar ser verdadeiramente um ser altruísta, ele sela uma nova fase de sua vida.
Humano artificial… Você é eu… No passado… Ou de outro futuro. Queime, e descanse em paz.
É só neste momento que seu filho fita seus olhos no pai, em expectativa, ansiedade, esperança. Neste momento que os olhos daqueles que precisam ser salvos se direcionam ao novo homem no topo. No instante em que Enji decide enterrar seu velho homem e dar tudo de si, indo além do que jamais foi, unicamente pela causa dos outros, é que ele começa a ser aceito como um novo Símbolo da Paz.


Tenho conseguido amigos extraordinários este ano, e notei que muitos deles passam ou passaram por essa mesma fase de encarar o arrependimento como algo mais complicado do que parece ser. Alguns perceberam que estavam correndo atrás de algo legitimamente bom, mas pelos caminhos errados. Outros, que simplesmente não conseguiram deixar pecados que se manifestaram como manias. Outros ainda, que sentem que suas mentes estão sendo atacadas pelo inimigo. A luta é constante, e para todos nós, o cume parece ser inalcançável, afinal, nosso Símbolo da Paz é inigualável. Perceber tudo isso é muito importante, querer ser como Ele também, pedir perdão ainda mais. Mas para arrepender-se dos seus piores pecados — aqueles que ainda te perseguem — , você vai precisar de um esforço ainda maior que estas duas coisas.

Deixar de lado a antiga natureza é mais que uma corrida: é algo doloroso. Não se deixa de ser quem você é a não ser que você passe a odiar o que fez. A não ser que você lamente o que tem se tornado e pergunte a si mesmo “o que singifica o que estou buscando?”, a não ser que tenha vontade de vomitar com a alma ao lembrar dos seus pecados, dificilmente vai alcançar estabilidade na busca por santidade. Talvez este ano você também tenha se frustrado com seu progresso, ainda que tenha havido muito progresso. Talvez você ainda se depare com falhas, manias que você ainda não consegue vencer. É preciso mais que desculpas, choro ou culpa. É necessário que o velho homem morra — e isso muitas vezes dói. Se não doesse, Jesus não teria nos dito para “arrancar o olho que nos faz pecar”.

Mas em Cristo, tudo é possível. Olhe para o seu Símbolo da Paz, busque ser um símbolo da paz com as individualidades que Ele lhe concedeu. Cada um de nós é chamado para abandonar o antigo modo de ver o mundo, a antiga natureza; e ser um pequeno símbolo da paz, à sua maneira: à maneira que Cristo nos destinou para ser. Por favor, não saia espalhando votos de um ano melhor sem passar por essa fase. Comprometa-se com mudar a si mesmo, antes de desejar mudança no mundo. A mudança precisa começar por você.

Entenda sua individualidade em Cristo, busque aprimorá-la. Queime quem você foi antes de vir à ele, e esqueça aquela pessoa. Vá além — dê tudo de si e mais um pouco, visando ser imagem e semelhança dEle. O verdadeiro herói é aquele que ganha os corações das pessoas com bondade e auto-sacrifício.



3 comentários:

  1. Que texto incrível man, obrigado por trazer de maneira simples, porém muito impactante a respeito de algo que é muito importante, uma luta diária eu diria.. Buscar analisar a cada dia quem eu sou, e observar o que pode ser moldado de acordo com o meu maior exemplo que é Cristo..

    Texto edificante, parabéns

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  2. Renove o convite pro discord. O convite expira a cada 3 meses, mesmo no "não expirar". Quero entrar kk

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